Cidadania Italiana: como ficam os processos após o decreto de restrição do governo?

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O anúncio de aumento de restrições para concessão da cidadania feito pelo governo italiano na última sexta-feira (28) provocou um imenso reboliço no mundo inteiro. Mas especialmente no Brasil, onde se localiza uma das maiores comunidades de descendentes italianos no mundo.

Por decreto, o governo da Itália decidiu limitar o direito à cidadania pelo sangue, conhecido como “ius sanguinis“, apenas para quem for filho ou neto de cidadãos nascidos na Itália. A mudança, defendida pelo ministro das Relações Exteriores e Cooperação Internacional da Itália Antônio Tajani, afetou diretamente milhares de brasileiros que buscam o passaporte italiano, seja por ancestralidade ou pela praticidade de um documento europeu.

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Só para se ter uma ideia do interesse dos brasileiros, a União Europeia (UE) concedeu cidadania a cerca de 25,9 mil brasileiros em 2022, um aumento de 26% em relação ao ano anterior. Com isso, os brasileiros figuram entre as dez nacionalidades do mundo que mais obtiveram cidadania nas nações que integram a região.

De todas as cidadanias solicitadas, 70% foram obtidas na Itália e em Portugal, conforme levantamento do instituto de estatísticas da UE, o Eurostat.

O Brasil hoje abriga uma das maiores comunidades italianas do mundo. Dos cerca de 6,5  milhões de cidadãos italianos residentes no exterior, mais de 700 mil moram no Brasil, o que corresponde a cerca de 11% do total, conforme dados da Embaixada da Itália no Brasil. A estimativa é de que que existam 30 milhões de descendentes no país.

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Exatamente por isso o Ministério das Relações Exteriores da Itália quer frear o que chama de uma “indústria do passaporte”, com agências oferecendo pacotes promocionais de reconhecimento da cidadania. Em cidades como o Vêneto, autoridades relataram ter recebido mais de 3 mil solicitações, grande parte vinda do Brasil.

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Entre as principais mudanças está a restrição ao direito de cidadania apenas a quem é filho ou neto de pessoas nascidas na Itália. Ou seja, bisnetos e trinetos não terão mais o direito de requisitar a cidadania pelas novas regras.

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Mas calma, quem entrou com o pedido até o dia 27 de março as 23h59 não terá problemas, segundo Matheus Reis, CEO da assessoria Io.Gringo. “Porém, quem ainda estava preparando os documentos para dar entrada, eu recomendo que continue juntando tudo que puder, porque o assunto está em suspenso, mas ainda não está encerrado”, disse.

Estima-se que haja mais de 60 mil processos judiciais pendentes com pedidos de cidadania. Os que já receberam a cidadania pelas regras antigas não devem se preocupar, pois não a perderão. “Mas pelas novas regras quem já obteve cidadania não poderá repassar o direito a seus filhos, por exemplo”, explica Reis.

Segundo ele, a medida não afetou quem já entrou com o pedido ou quem já conseguiu porque há uma regra básica no Direito italiano que proíbe a retroatividade.

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Mesmo estando em vigor desde a última sexta-feira (28/03), o decreto ainda é provisório, porque precisa ser aprovado em 60 dias pelo Parlamento italiano, para então ser transformado ou não em lei definitiva.  “Porém, o decreto é do governo, que tem maioria parlamentar. Por isso, estamos acompanhando de perto as discussões porque já estão surgindo recursos”, afirma Renata Bueno, advogada especializada em imigração e ex-deputada na Itália.

Segundo a advogada, não há diferenças entre os processos administrativos ou judiciais que deram entrada nesse novo cenário. “Todos os processos em andamento serão cumpridos até o final. O que será feito agora pelo Parlamento é aceitar ou não o Decreto e, principalmente, se aceito, como ele será implementado, com toda a regulamentação necessária, incluindo as condições exigidas”, explica Renata.  

Histórico

As discussões sobre mais restrições para concessão da cidadania italiana já estava, na pauta há bastante tempo. No final do ano passado, o senador italiano Roberto Menia enviou ao Parlamento o Projeto de Lei nº 752, que elevava as exigências e previa aceitar apenas os descendentes de terceira geração, ou seja, bisnetos de italianos. Além disso, o postulante ainda teria de comprovar conhecimento intermediário do idioma italiano, bem como a residência na Itália por, no mínimo, um ano.

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No início deste ano, o governo também elevou as tarifas para se conseguir a cidadania. Um processo que antes poderia incluir uma família inteira e custava 555 euros (cerca de R$ 3,4 mil) a partir de janeiro passou a custar 600 euros (R$ 3,7 mil) por pessoa. 

Além disso, a Câmara havia adicionado outros aspectos, como a criação de uma taxa de 600 euros para pedidos feitos nas cidades italianas, as chamadas Comunes, para pessoas que já moram na Itália e buscavam cidadania de forma administrativa, taxa que não existia. O processo via consulado que custava 300 euros (R$ 1,8 mil) passou a custar os mesmos 600 euros.

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Decisão polêmica

A polêmica, segundo Matheus Reis, é que o decreto vai contra um princípio básico da formação da Itália. “Lá na origem, a Itália foi formada por vários reinos. E, para isso, foi estabelecido que eram cidadãos italianos todos que nascessem nesses reinos e seus descendentes, sem limite de geração”, afirma.

Ele acrescenta ainda que, quando muitos italianos imigraram para a América por causa da guerra e da fome, a Itália confirmou a decisão constitucional de não abandonar seus descendentes. “Hoje o país vive um declínio demográfico e será muito difícil sustentar um país como esse se não tiver pessoas para fomentar a economia. Por isso, é melhor ter um descendente italiano querendo trabalhar do que não ter”, afirma Reis.

Recomendação

Para quem ainda não protocolou o pedido de cidadania, ou protocolou no dia 28, os especialistas recomendam esperar. Isso porque o Parlamento pode aceitar o Decreto como está, modificá-lo ou até rejeitar.

“Nossa recomendação é aguardar com cautela esses 60 dias de tramitação parlamentar e também procurar uma assessoria especializada. Nós já estamos nos preparando e deixando tudo pronto para protocolar imediatamente todos os processos, caso a lei seja derrubada. Se for aprovada, também temos uma estratégia jurídica para defender cada cliente nos tribunais”, disse Rafael Gianesini, CEO da Cidadania4U.

Matheus Reis afirma ainda que além do processo do Decreto no Parlamento, corre no Tribunal de Bologna um pedido que questionava limites temporais para aquisição da cidadania italiana por descendentes, revisando a jurisprudência.

“O juiz pediu uma revisão da cidadania italiana solicitando que fosse apresentado vínculos do postulante com a Itália. Quando isso foi pedido, os demais tribunais suspenderam todos os julgamentos, para aguardar a decisão da Corte. Mas agora, o Judiciário poderá julgar tudo junto, o decreto e o questionamento de Bologna, e dar um único parecer”, explica.  

Ou seja, as discussões devem continuar até a definição. “E mesmo o governo tendo maioria no Parlamento, o assunto provocou tanta discussão que não se sabe ainda se o Decreto será mesmo aprovado”, afirma Reis.

Como era antes para obter cidadania italiana?

Existiam duas vias para solicitar a cidadania italiana: administrativa e judicial. A via administrativa permitia que o requerimento da cidadania italiana fosse feito sem representação jurídica. O pedido podia ser feito pelo próprio requerente (descendente interessado na cidadania) por meio de consulados italianos, mas o processo era mais demorado e a fila era imensa. Já aqueles que residem na Itália poderiam solicitar diretamente nas Comunes, sede administrativa do município onde a pessoa mora.

Essa opção é a mais rápida, mas também pode ser a mais cara. Isso porque, apesar da duração de geralmente seis meses, no processo via Comune só serve para quem reside na Itália legalmente. Uma vez morando na Itália, é obrigatório permanecer no país durante todo o processo.

Também era possível a obtenção da cidadania pela via judicial. Nesse caso, através de um processo a pessoa requeria a cidadania perante um juiz. Isso podia ser feito mesmo com o requerente permanecendo no Brasil. Apesar da necessidade de assessoria jurídica, que tem um custo mais alto, o modelo era considerado mais vantajoso por não exigir residência na Itália, representando economia com passagem, moradia e alimentação.

Pela via judicial, também era possível pedir a cidadania para mais de um familiar, o que diluía o custo. Mas isso já havia sido suspenso no início do ano.

Havia ainda toda uma burocracia envolvida, sendo necessárias certidões de nascimento, de casamento e de óbito de todos os familiares dos quais o requerente descende (pais, avós, bisavós, trisavós, tataravós) e do antepassado italiano. Uma consultoria com presença e/ou contatos na Itália facilitava essa obtenção dos documentos. Mas agora tudo isso também está suspenso até a definição do Parlamento italiano.

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